As sentenças ilíquidas e a remessa necessária

CPC na prática

por Elias Marques de M. Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro, Rogerio Mollica

Rogerio Mollica

A remessa necessária sempre foi tida por grande parte da nossa Doutrina como um privilégio injustificado dos Entes Públicos. Entretanto, apesar da grande corrente contrária ao instituto, nunca se conseguiu excluir tal previsão do nosso ordenamento. Dessa forma, legislador passou a limitar o alcance da remessa.

Uma das principais limitações se dá em relação ao valor envolvido. O Código de 1973 previa a ocorrência somente nas causas superiores a 60 salários mínimos. Com o Código de 2015, a limitação às sentenças de valor superior a 60 salários mínimos subiu para 1.000 salários mínimos para a União Federal e suas respectivas autarquias e fundações, 500 salários mínimos para os Estados, Distrito Federal e Municípios Capitais de Estados e 100 salários para os demais municípios e suas respectivas autarquias e fundações.

A redação § 2º do artigo 475 do CPC/1973 exigia que o valor da condenação, ou do direito controvertido, fosse de valor certo não superior a 60 salários mínimos. Já a redação do § 3º do artigo 496 somente dispensa a remessa necessária se o valor for certo e líquido.

Desse modo, o Código de 2015 acabou por adotar o entendimento expresso na Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça1, que ainda na égide do CPC/1973, já exigia a liquidez da sentença para aplicar a restrição ao cabimento do reexame necessário2.

Vale recordar que no Anteprojeto do Novo Código, o artigo 478, § 4º, previa que “quando na sentença não se houver fixado valor, o reexame necessário, se for o caso, ocorrerá na fase de liquidação”. Dessa forma, pela previsão do anteprojeto, se a sentença fosse ilíquida, não ocorreria a Remessa Necessária e essa somente ocorreria se na fase de liquidação fosse apurado que o valor discutido era superior ao valor de alçada da remessa. Sem dúvida, uma hipótese mais limitativa do instituto do que a prevista no Código de 2015.

Entretanto, com aumento dos valores, principalmente para a União Federal, podemos ter processos com sentença ilíquida contrária à União, mas que evidentemente não discutem valores na casa de R$ 1 milhão (aproximadamente 1.000 salários mínimos). Nesses casos, em que apesar da iliquidez, a condenação ou o proveito econômico obtido na causa certamente não alcança esses patamares, seria cabível a Remessa Necessária?

Mesmo nesses casos, a doutrina entende que deve ocorrer a devolução oficial. Nesse sentido é o entendimento de João Francisco Naves da Fonseca: “(…) as decisões ilíquidas, independentemente do valor envolvido, não estão dispensadas da devolução oficial (Súmula 490 do STJ)”3.

Nesse mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA ILÍQUIDA. CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA. REMESSA NECESSÁRIA. OBRIGATORIEDADE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO JULGAMENTO DO RESP 1.101.727/PR, SUBMETIDO AO REGIME DO ARTIGO 543-C DO CPC/1973.

  1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.101.727/PR, proferido sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, firmou o entendimento de que é obrigatório o reexame da sentença ilíquida proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 475, § 2º, CPC/73).
  2. Na esteira da aludida compreensão foi editada a Súmula 490 do STJ: “A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas”.
  3. A dispensa do exame obrigatório pressupõe a certeza de que a condenação não será superior ao limite legal estabelecido, seja no art. 475 do CPC/1973, seja no artigo 496 do CPC/2015.
  4. Verifica-se, assim, que o acórdão do Tribunal regional divergiu da orientação do STJ quanto ao cabimento do reexame necessário, pois considerou, por estimativa, que o valor da condenação não excederia 1.000 (mil) salários mínimos.
  5. Recurso Especial provido.”

(REsp 1741538/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018)

Portanto, cabe ao particular, que teve uma sentença ilíquida prolatada em face do ente público, provocar a Remessa Necessária do referido julgado, mesmo que não prevista na sentença, sob pena de não obter o trânsito em julgado4.

__________

1 Súmula 490 do STJ: “A dispensa do reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas”. Dessa forma restou superado o entendimento de que “caso não seja líquida a condenação, o parâmetro deve ser o valor da causa” (AgRg no RESP nº 1.067.559/PR, Rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, in DJe de 13/04/2009).

2 Mirna Cianci defende que “Com essa redação, torna razoável supor que sentenças em ações sem cunho condenatório ou sem conteúdo econômico estarão sujeitas, de modo inequívoco, ao reexame obrigatório, por não ser o valor da causa parâmetro para a aferição”. (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 2, coord. Cássio Scarpinella Bueno, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 462).

3 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IX, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 97.

4 Súmula nº 423 do STF: “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso “ex-officio”, que se considera interposto “ex-lege”.”

 

Fonte: https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica

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